sexta-feira, 4 de outubro de 2019

TEORIA CRÍTICA PARA A CRÍTICA DA TEORIA EDUCACIONAL


Resenha: GALUCH, Maria T. B.; CROCHICK, José Leon. Formação cultural, ensino, aprendizagem e livro didático para os anos iniciais do ensino fundamental. Maringá: Eduem, 2018.

A publicação é resultado das pesquisas de pós-doutorado da professora Maria Terezinha Galuch (Uem), sob orientação de José Leon Crochick (Usp). Trata-se de uma proposta pedagógica pautada na Teoria Crítica desenvolvida por Theodor Adorno e Max Horkheimer e demais pensadores do Instituto de Pesquisa Social, posteriormente conhecido como Escola de Frankfurt, aplicada como análise de materiais didáticos do ensino fundamental. O objetivo específico do livro, contudo, não limita voos mais amplos, quer seja, a fundamentação de uma abordagem crítica dos atuais modelos educacionais e propostas pedagógicas, sob a ótica de uma “pseudoformação” e da “heteronomia”. Portanto a amplitude da pesquisa e sua relevância extrapola os limites imediatos dos quais ela se destina. É uma preciosa ferramenta de crítica das atuais condições de ensino e aprendizagem, bem como do modelo educacional vigente.  
O primeiro e o segundo capítulos tem por objetivo analisar a formação, fruto da objetividade social, e sua mediação pela indústria cultural, também responsável por torná-la pseudoformação. Do terceiro ao quinto capítulo a teoria crítica é aplicada enquanto método de análise de livros e projetos pedagógicos, com foco no ensino fundamental. Os autores denunciam e desnudam a aparente neutralidade dos livros didáticos ainda pautados em teoremas positivistas, sua linearidade, exposição descritiva. A linguagem dos primeiros tópicos, porém, não é muito acessível aos não iniciados nos postulados de Adorno e Horkheimer. Por isso, torna-se mister, expor didaticamente os conceitos principais da obra para melhor compreensão de seus objetivos, sobretudo o termo “indústria cultural” e sua relação crítica com educação contemporânea.
A Indústria cultural substitui os esquematismos da razão e prepara o mundo tal como deve ser percebido: sempre igual, sem movimentos, sem contradições; quando essas existem são devidas a falhas do pensamento ou conflitos psicológicos. Certamente os autores da Escola de Frankfurt não negam que haja contradições lógicas e distúrbios pessoais, mas esses não equivalem às contradições objetivas. Resumidamente, a indústria cultural poderia ser definida no conceito que Walter Benjamin a apreende, o conceito de “dialética da imobilidade” (Dialektik in Stillstand). É certo que a dialética, quer seja idealista como em Hegel ou a materialista de Marx, pressupõe movimento, avanços, retrocessos, pois a matéria é dinâmica. Ocorre que com o aparato tecnológico atual, seu entretenimento, sua publicidade, poder-se-ia dizer que a dialética, o motor da história, existe apenas em aparência, enquanto falso movimento, falsa mimese.
Segundo Adorno e Horkheimer, na Dialética do Esclarecimento, a função da indústria cultural consiste justamente em impedir eficazmente qualquer desejo de transformação, qualquer esboço de inciativa por parte dos trabalhadores. O engodo da indústria cultural será duplo. Ela mantém as massas surdas, não as encoraja a recuperar a audição; reforça ainda mais esse enfermidade ao fazer acreditar que não há problema nenhum, que todos escutam muito bem. Produz, então, uma séria sonora ininterrupta e sempre repetitiva que preenche constantemente ouvidos e cabeças como se não houvesse nem possibilidade de silêncio nem possibilidade de outros sons.
A indústria cultural não apenas mascara a violência social que separa a classe privilegiada da massa de trabalhadores; em vez de denunciar a surdez destes últimos, os acostuma a ouvir sempre o mesmo disfarçado de novo, leva-os, portanto, àquilo que Adorno chama, em outros textos, de “regressão da audição”. “A diversão proposta pela indústria cultural é antídoto à resistência à adaptação à sociedade existente, diminuindo a possibilidade de sua alteração” (GALUCH, CROCHICK, 2018, p. 22).
Para exemplificar e fundamentar esta tese, Horkheimer e Adorno (1985, p. 45) recorrem ao mito, especificamente à Odisseia, de Homero. O poema que canta o difícil retorno de Ulisses (ou Odisseu) de Tróia para Ítaca, na Grécia. Na viagem, ele se depara com diversos obstáculos colocados propositalmente para impedir seu regresso. No Palácio de Circe, Ulisses demora um ano inteiro vivendo de delícias e esquece-se da casa e de Penélope, sua esposa. Num dado momento, ao comer “o lótus mais doce que o mel”, Ulisses se esquece até de narrar os fatos. O “esquecimento” através de falsos prazeres e distrações também é descrito na alegoria do “canto das sereias”, retomado magistralmente por Adorno. “Alertas e concentrados, os trabalhadores tem que olhar para frente e esquecer o que foi posto de lado. A tendência que impele à distração (Ablenkung), eles têm que se encarniçar em sublimá-la num esforço suplementar”. De certa forma os remadores (trabalhadores) são compelidos a distraírem-se, a conformarem-se com o olhar apenas para frente, numa única direção.
Distração e entretenimento são problemas também inseridos no cenário da educação, diretamente relacionados ao conceito de pseudoformação. Sobre este termo, os autores preferem a tradução do termo alemão halbbildung, utilizado por Adorno em Teoria da semicultura, por “pseudoformação”, e não como habitualmente “semiformação”.  Mas advertem que “não se trata, na crítica à pseudoformação, de evocar o ressurgimento da formação clássica”, pois “hoje adiantaria pouco ensinar o que era ministrado para alunos de então, pois, a pseudoformação, ditada também pela indústria cultural, altera os sentidos humanos e não somente a consciência” (p. 39).
A falsa formação refere-se a dispersão com que as atuais máquinas distraem os sujeitos, o tempo todo e repetidamente. Computador, celular, mídias nas quais diversas possibilidades de comunicação e de entretenimento mesclam-se ao conhecimento. A concentração e disciplina são constantemente testadas frente aos impulsos da publicidade, imagens embelezadoras da ideologia, nas quais celebridades e modelos competem com um ensino sistematizado. A memória também é testada nesse cenário cultural, os conteúdos que requerem maior internalização como poesias, literatura, matemática, elementos químicos da tabela periódica, etc., são constantemente dispensados, dado à possibilidade de consulta instantânea em qualquer mídia on-line.
Um estudo da Kayser Family Fundation afirma que jovens de oito a dezoito anos gastam agora mais de sete horas e meia por dia com smartphones, televisores e outros instrumentos eletrônicos, em comparação com as menos de seis horas e meia de cinco anos atrás. Quando se acrescenta o tempo adicional em que os jovens passam postando textos, falando em seus celulares ou realizando múltiplas tarefas, tais como ver TV enquanto atualizam o Facebook, o número sobe para um total de onze horas de conteúdo de mídia por dia. (BAUMAN, 2013, p. 53).
A perda substancial que ocorre com a pseudoformação é, segundo Adorno e Benjamim, a substituição da narração pela informação, o elemento mais básico e limitado na escala de aprendizagem. Perde-se com a ausência da reflexão, da crítica, a própria experiência, elemento em desintegração na modernidade. “Na atualidade, com a pseudoformação, os sujeitos são dispensados também de memorizar [até mesmo] as informações” (GALUCH; CROCHICK, 2018, p. 47).
As mudanças ocorridas desde o final do século XX – hegemonia do capital, a revolução tecnológica, a midiatização e as redes sociais – parecem exigir novos métodos educacionais. Importância do permanente questionamento histórico e epistemológico presente na construção dos debates sobre metodologia de ensino.  Nesse cenário onde o Estado parece cada vez mais ausentar-se e isentar-se de sua atribuição social na Educação, tanto em áreas de pesquisa como no ensino superior e básico, a relevância da Teoria Crítica mostra-se profundamente atual e o trabalho dos professores Leon Crochick e Terezinha Galuch um exemplo de crítica que lembra Marx, ainda que eles não o citem: “A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem suporte grilhões desprovidos de fantasias ou consolo, mas para que se desvencilhe deles e colha a flor viva” (MARX, 2010, p. 146).
Em artigo sobre o Instituto Alemão de Pesquisa Livre [Instituto de Pesquisa Social], Walter Benjamin (2013, p. 152) situa e diferencia o método analítico dos frankfurtianos para com os positivistas e pragmáticos. O positivismo, como se sabe, volta as costas para a práxis social, pois ele concebe apenas o sentido evolutivo da história e da ciência e não os retrocessos da sociedade. Já para o pragmatismo, a comprovação da teoria na práxis é o critério de verdade satisfatório. Em contraposição a isso, para o pensador crítico, a própria comprovação, a própria demonstração de que ideia e realidade objetiva coincidem e constituem um processo histórico que pode ser inibido e interrompido a qualquer momento. Nisso reside o teor de vigília da teoria crítica, consciente de que a barbárie é uma ameaça constante à civilização. O pensador crítico monta sua trincheira no território da educação e utiliza as armas da crítica para o desnudamento e desmascaramento cínico da pseudoformação e heteronomia, isto é, contra o “canto das sereias” e o “lótus mais doce que o mel” da indústria cultural.
Educação ou barbárie?, é a grande mensagem e legado do livro objeto desta resenha.

Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude: conversas com Ricardo Mazzeo; tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
BENJAMIN, Walter. O capitalismo como religião. Organização Michael Löwy. São Paulo: Boitempo, 2013.
HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel; Introdução. São Paulo: Boitempo, 2010.  


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

INFÂNCIA NA GUERRA: PEQUENOS SOLDADOS E A NECESSIDADE DE UMA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DE AUSCHWITZ


Resenha:
ALEKSIÉVICH, Svetlana. As últimas testemunhas: Crianças na Segunda Guerra Mundial. Tradução do russo Cecília Rosas. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

Quem leu o Diário de Anne Frank certamente teve uma experiência de choque com os horrores dos campos de concentração nazistas, através da sensibilidade da narrativa infantil. Agora imagine-se centenas de milhares de Anne Franks, judias, polacas, ucranianas, eslavas, vivendo (ou melhor, sobrevivendo) em condições sub-humanas, fatigadas pela fome, doenças, pela carestia dos afetos dos pais, castigadas pelas intempéries do tempo, testemunhando assassinatos e torturas inimagináveis mesmo para os adultos. Este é o cenário do embate entre Alemanha e União Soviética, entre o nazismo e o comunismo – que de fato decidiu a guerra na Europa – rememorados pela lembrança de sobreviventes civis, crianças no momento em que a Segunda Guerra Mundial eclodiu no leste europeu, quando Hitler rompeu o pacto de não agressão com Stálin e deflagrou a Operação Barbarossa, em junho de 1941.

A premiada escritora Svetlana Aleksiévich, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 2015, entrevistou uma centena de sobreviventes da Guerra e do fascismo e as fez falar de uma forma sutil, quase lúdica, do retorno à infância. Psicanaliticamente se poderia apreender os motivos desse regresso. A repetição é traço característico do traumatizado, que tende a reproduzir involuntariamente a cena do trauma, no caso os horrores da guerra. Essa narrativa expõe o leitor aos impactos da própria criança, pois Svetlana é o exemplo do narrador benjaminiano, ela não explica sua narrativa e não existem motivos para isso. Ela permite ao leitor que sinta algo semelhante aos entrevistados no momentos de sua rememoração. Sua escrita restringe-se a um parágrafo de prefácio e algumas linhas do epílogo, nada mais. É na recusa do excesso didático que reside o gênio da escritora, isso torna até mesmo esta resenha desconcertante.

“Na minha memória infantil ficou tudo gravado como um álbum. Em fotos separadas... Na aldeia não sobrou nenhuma criança. Não havia com quem brincar na rua...” (Valia Nikitenko, 4 anos em 1941). A lembrança da pequena Valia exemplifica a construção da memória involuntária do trauma, “gravado como um álbum”, em forma de imagens. O método da autora, de dar voz infantil aos adultos, inverte completamente os lugares comuns da narrativa e da historiografia, nosso “adultocentrismo” pouco declarado de impor a visão de mundo do adulto à criança, deformando assim a verdadeira infância.

Talvez o texto que mais se aproxime da forma de “As últimas crianças” seja a “Infância berlinense em 1900”, de Walter Benjamin. Nessa obra o autor, como criança, produz uma mudança radical sobre a autobiografia, através de construções imagéticas ou imagens dialéticas como ele mesmo as define. Ao buscar as memórias no próprio inconsciente infantil Benjamim privilegia o universo onírico, dos sonhos, a magia da infância em sua plenitude. Com essa alteridade ele encontra a voz da “não linguagem” da “não razão”, pois etimologicamente a palavra infância remete ao período anterior a fala (do latim infantia, ou antes da fala). Nesse sentido faz justiça ao postulado anotado nas notas para as Teses Sobre o conceito de história: “A construção histórica é dedicada à memória dos sem nome”.  
O breve prefácio demonstra o lugar privilegiado da infância em detrimento dos horrores da guerra:
No passado, Dostoiévski fez a seguinte pergunta: e será que encontraremos absolvição para o mundo, para a nossa felicidade e até para a harmonia eterna se, em nome disso, para solidificar essa base, for derramada uma lagrimazinha de uma criança inocente?  E ele mesmo respondeu: essa lagrimazinha não legitima nenhum progresso, nenhuma revolução. Nenhuma guerra. Ela sempre pesa mais.
Só uma lagrimazinha...

A narrativa através da memória infantil não deixa dúvidas quanto a essa afirmativa. Convém citar algumas das mais comoventes:
“Não só os orfanatos passavam fome, as pessoas ao nosso redor também, porque entregavam tudo pra o front. Moravam 250 crianças no orfanato, e uma vez nos chamaram para o almoço, mas não havia nada para comer. A educadora e a diretora estavam sentadas no refeitório olhando para a gente e os olhos delas estavam cheios de lágrimas. (...) E também tinham dois gatos famintos. Uns esqueletos! Que bom, pensamos depois, que sorte que os gatos são tão magros, não vamos ter que comê-los. Não havia nada para comer. (...) Na primavera, num raio de alguns quilômetros ao redor do orfanato, não brotava uma árvore... Tínhamos comido todos os brotos. Comíamos capim, comíamos tudo o que havia pela frente.” (Zina Kossiak, oito anos).

Lembro que os adultos falavam: “Ele é pequeno. Não entende”. E eu respondia: “Como esses adultos são estranhos, por que eles acham que eu não entendo nada? Entendo tudo”. Eu até achava que entendia mais do que os adultos, porque eu não chorava, e eles choravam.
“A guerra é meu livro de história. Minha solidão... Perdi a época da infância, ela fugiu da minha vida. Sou uma pessoa sem infância, em vez de infância tenho a guerra.” (Vássia Khárevski, quatro anos).

“Se eu perguntasse a todos: o que é a infância? Cada um diria algo próprio. Mas para mim a infância é mamãe, papai e bombom. Por toda a infância eu queria mamãe, papai e bombom. Na guerra não só não provei nenhum bombom como nunca os tinha visto.” (Marina Kariánova).

“E quando saímos de Minsk, vimos como ardia nossa escola. As chamas subiam em todas as janelas. Tao vivas... Tão... Tão fortes, iam até o céu... Nós soluçávamos porque nossa escola estava pegando fogo.” (Inna Levkiévitch, dez anos, hoje arquiteta).
“Lembro que depois da guerra só tínhamos uma cartinha na aldeia, é o primeiro livro que achei e li era uma reunião de exercícios de aritmética. Li como se fosse poesia...” (Sacha Kávrus).

“Durante a guerra eu não tinha visto nenhum objeto infantil. Havia esquecido que eles existiam em algum lugar. Os brinquedos de criança...” (Volódia Tchistokliétov).
 “Ele [o irmão] estava com tanta fome que pedia para a mamãe: “Vamos cozinhar meu patinho”. O patinho era o brinquedo preferido dele, antes disso não deixava ninguém pegar. Dormia com ele.
Gritávamos: “Casinha, não queime! Casinha, não queime!” Não tivemos tempo de tirar nada da casa, só peguei minha cartilha. Eu a salvei por toda a guerra, protegi. Dormia com ela, sempre a deixava embaixo do meu travesseiro. Queria muito estudar.” (Nina Ratchítskaia, sete anos).

No quinto capítulo da obra “Educação e emancipação”, intitulado “Educação após Auschwitz”, o filósofo Theodor Adorno afirma que a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. Ela foi a barbárie contra a qual se dirige toda a educação, pois a educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica. Nesse sentido, como todo caráter forma-se na primeira infância, a educação precisa se concentrar na primeira infância. O único poder efetivo contra o princípio de Auschwitz seria a autonomia, o poder para a reflexão, a autodeterminação, e não-participação. Todo o livro repleto de iluminações críticas quanto ao processo educacional poderia ser sintetizado nesta fórmula: “a função da escola é a desbarbarização da humanidade”.

Sem jamais perder de vista a catástrofe da Segunda Guerra Mundial e o terror do Holocausto, Adorno procura resgatar a importância ética do passado no presente para pensar a educação do futuro. “Tudo dependerá do modo pelo qual o passado será referido no presente, se permanecemos no simples remorso ou se resistimos ao horror”, ele insiste. “Naturalmente para isso será necessária uma educação dos professores”, ele completa (2003, p. 20). A lembrança deveria ser o ponto chave dos processos de ensino-aprendizagem, uma vez que as novas gerações precisavam ser educadas para o não esquecimento. A educação das novas gerações deveria se concentrar na educação infantil, pois ali residiria a única possibilidade de criar novos seres humanos totalmente preparados para evitar a experiência de guerra e do Holocausto.

Referências:
ADORNO, Theodor.  Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003
BENJAMIN, Walter. Rua de mão única, Infância berlinense: 1900. Edição e tradução João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

O TEMPO MESSIÂNICO: UMA ANÁLISE HISTÓRICA E CULTURAL DO MESSIANISMO CAMPESINO NO CONTESTADO (1912-1916)

Resumo:

Há uma estreita relação entre os movimentos de resistência e cultura popular com o messianismo. Este artigo examina essa aproximação a partir do conceito dialético benjaminiano de “origem” (ursprung). A “origem” é um protofenômeno no sentido teológico, quer seja ele o Paraíso ou o comunismo primitivo, uma idade edênica e igualitária na Terra. Literalmente são “saltos” para fora da continuidade histórica linear que rompem com o desenvolvimento meramente evolucionista da História. A quebra da continuidade histórica não volta-se exclusivamente ao passado idealizado, mas também para o futuro, à utopia, ao millenium. Entre a experiência no passado e a expectativa no porvir há o que pode ser denominado de “tempo messiânico”. Em termos históricos e menos filosóficos esta abordagem poderia ser associada ao conceito cultural que Raymond Williams chamou de culturas residuais e emergentes. Busca-se portanto um método dialético para pensar o fenômeno em questão.

domingo, 31 de julho de 2016

REDES SOCIAIS: O MODERNO CANTO DAS SEREIAS PARA FLANÊURS ON-LINE

Em 2013 escrevi um texto intitulado “Um saco de batatas, spray de pimenta e vinagre: a salada insossa dos recentes protestos populares”, referente aos movimentos que tinham o ideal do “Passe livre”, mas se degeneraram de forma heterogênea e inconstante (“apolíticos”) por todo o país. A tese era centrada na análise histórica dos motins e protestos dos primórdios da Revolução Industrial (Marx, Thompson, Rudé, Hobsbawm) interpretados paralelamente aos novos valores da estética social atual: um protesto pelo consumo. O texto pode ser resumido na paráfrase de uma citação de Edward Thompson em “Costumem em comum”: “A cultural popular é rebelde, mas o é em defesa dos costumes”; ao passo que na atualidade poder-se-ia dizer que “a cultura popular é rebelde, mas o é em defesa do consumo”.

O artigo escrito no calor da hora naturalmente recebeu críticas da comunidade acadêmica que viu com entusiasmo o “despertar das massas” em consonância com o apoio tácito das mídias no jargão “o gigante despertou” (sic). O método era incipiente e hipotético, eu não conhecia ainda os trabalhos de Zizek e Zygmunt Bauman que também analisavam os protestos da França e Inglaterra (2011) como “revolta sem revolução; uma inconveniência e não uma ameaça”. Os fatos ulteriores referendam a sociologia estética de Bauman: reação conservadora e falência dos movimentos sociais, a contrarrevolução antes da revolução.

Outra contribuição importante de Zygmunt Bauman é a refutação da tese recorrente nos movimentos estudantis e no senso comum pretensamente de esquerda, de que as redes sociais (Facebook, Twitter, Whats-App e Instagram) são um instrumento importante de mobilização, organização e atração das massas em prol das revoltas ou protestos populares. Não, hoje pode-se dizer que as coisas se passam justamente ao contrário das certezas dos tempos de “Primavera árabe”. As redes sociais tem um efeito “terapêutico” apenas, a ilusão de não estar sozinhos no meio da multidão. A necessidade de estar sempre conectados com seus pares pelo Facebook ou Twitter leva à atrofia da criatividade. O efeito colateral evidentemente é que ao anunciar e entregar analgésicos morais comercializados, os mercados de consumo apenas facilitam, em vez de evitar, o enfraquecimento, o definhamento e a desagregação dos vínculos inter-humanos. (BAUMAN, 2013, p. 108).

É natural que uma geração leitora de mínimos carácteres possíveis apreenda apenas o nível mais baixo de aprendizagem que é o da transferência de informação a ser memorizada. Estudo da Kayser Family Fundation afirma que jovens de oito a dezoito anos gastam agora mais de sete horas e meia por dia com smartphones, televisores e outros instrumentos eletrônicos, em comparação com as menos de seis horas e meia de cinco anos atrás. Quando se acrescenta o tempo adicional em que os jovens passam postando textos, falando em seus celulares ou realizando múltiplas tarefas, tais como ver TV enquanto atualizam o Facebook, o número sobe para um total de onze horas de conteúdo de mídia por dia. (BAUMAN, 2013, p. 53).

O consumo das redes sociais não está prioritariamente relacionado ao fetichismo da mercadoria, mas a ilusão de consumir a participação política. O fascismo alemão foi pioneiro na utilização estética como instrumento de falência da organização operária, com o cinema. Ao permitir que as massas fossem filmadas os nazistas davam-lhes a impressão de que eram parte do sistema político, naquilo que Walter Benjamin chamou de “estetização da política”. Ao permitir que as classes trabalhadoras se expressassem teoricamente, o nazismo lhes restringia a participação de fato, democrática, na política.

Nos dias de hoje, graças a despreocupada e entusiástica autoexposição dos viciados em Facebook a milhares de amigos e milhões de flâneus on-line, os gerentes de marketing podem atrelar no carro de Jagrená consumista vontades e desejos mais íntimos e aparentemente mais “pessoais” e “singulares”, articulados ou semiconscientes – já efervescentes ou apenas potenciais. Personalidade única: trata-se de uma verdadeira ruptura nos destinos do marketing e da política. O “Carro de Jagrená” (no hindu, Jagannãth, “senhor do mundo”) transporta anualmente um ídolo de Krishna pelas ruas, sob suas rodas se atiram os seguidores que são por ele esmagados. Trata-se de uma metáfora criada por Anthony Giddens para caracterizar a modernidade.

O flâneur, por sua vez, é um resgate de uma expressão típica de Baudelaire: o caminhante solitário na multidão. Baudelaire gostava da solidão, mas se possível no meio da multidão.  Para Alan Poe, o flâneur é sobretudo alguém que não se sente integrado em sua própria sociedade, por isso procura a multidão. Em síntese, trata-se de um conceito sociológico da própria cidade moderna, de solitários abandonados entre a multidão. Isso os coloca na mesma situação da mercadoria, apesar de não terem consciência dessa particularidade. “Penetra-o como um narcótico que o compensa de muitas humilhações. O transe a que se entrega o flâneur é o da mercadoria exposta e vibrando no meio da torrente de compradores” (BENJAMIN, 2015, pp. 50-57).

A ideia do flâneur on-line pode ser melhor compreendida em síntese com a alegoria do “canto das sereias”, de Adorno e Horkheimer sobre o conceito de “indústria cultural”. Segundo esses pensadores da Escola de Frankfurt, na Dialética do Esclarecimento, a função da indústria cultural consiste justamente em impedir eficazmente qualquer desejo de transformação, qualquer esboço de inciativa por parte dos trabalhadores. O engodo da indústria cultural será duplo. Ela mantém as massas surdas, não as encoraja a recuperar a audição; reforça ainda mais essa enfermidade ao fazer acreditar que não há problema nenhum, que todos escutam muito bem. Produz, então, uma séria sonora ininterrupta e sempre repetitiva que preenche constantemente ouvidos e cabeças como se não houvesse nem possibilidade de silêncio nem possibilidade de outros sons. (GAGNEBIN, 2014).

 A indústria cultural não só mascara a violência social que separa a classe privilegiada (que pode ter sensibilidade artística) da massa de trabalhadores; em vez de denunciar a surdez destes últimos, os acostuma a ouvir sempre o mesmo disfarçado de novo, leva-os, portanto, àquilo que Adorno chama, em outros textos, de “regressão da audição”. No episódio das Sereias, em A Odisseia, os remadores são, simultaneamente, impedidos de distrair-se e obrigados a uma distração, a um divertimento imposto. Escreve Adorno: “Alertas e concentrados, os trabalhadores tem que olhar para frente e esquecer o que foi posto de lado. A tendência que impele à distração (Ablenkung), eles têm que se encarniçar em sublimá-la num esforço suplementar”. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 45).

Nessa obra de Adorno e Horkheimer, o poder da indústria cultual é de tal maneira avassalador e nefasto, que esta se transforma numa versão moderna da antiga coerção mítica. Parece não haver, nesse poder devastador, nenhuma possibilidade de brecha, de ruptura. Há apenas distração/entretenimento (Zerstreuung, Unterhaltung) – que a indústria cultural impõe como única fruição permitida. Com as redes sociais não existem mais atores sociais, mas apenas espectadores de si mesmos. Pois há o rompimento com o meio de comunicação (Medium) característico da indústria cultural. Trata-se de uma “cultura de cassino” virtual que impele à distração ou um “narcótico”, como diz Benjamin.

Estas observações nos remetem novamente para a Odisseia, de Homero, livro mestre e exemplo maior na literatura ocidental no que se refere a resistência aos obstáculos colocados pelos deuses (e agora pela inteligência artificial), na tentativa da construção da memória coletiva, da história narrativa, do que de fato importa: a vida real. O poema épico narra o difícil retorno de Ulisses de Tróia para Ítaca, na Grécia. Na viagem, ele se depara com diversos obstáculos colocados propositalmente para impedir seu regresso. No Palácio de Circe, Ulisses (ou Odisseu) demora um ano inteiro vivendo de delícias e esquece-se da casa e de Penélope, sua esposa. Num dado momento, ao comer “o lótus mais doce que o mel”, Ulisses se esquece até de narrar os fatos.

A memória, a lembrança e a rememoração são os objetos do historiador. Na mitologia grega, Zeus toma como sua quinta esposa Mnemosine (a deusa da memória). Até o deus do Olimpo precisava ser lembrado para existir. Mnemosine existia para suprimir Lethe (o esquecimento). As redes sociais são a “flor de lótus” da modernidade que aliadas ao “canto das sereias” da indústria cultural formam um tipo ideal (no sentido weberiano) de dominação simbólica que poderia ser sintetizado na expressão “jaula de aço”, novamente emprestado de Max Weber. Este é um terreno propício para os abandonados e solitários na multidão: os flâneurs on-line.

A atuação amoral e imoral da Cambridge Analytica em eleições no EUA, no Brexit britânico e recentemente no Brasil, leva-nos impreterivelmente a uma visão trágica das redes sociais. Algoritmos e inteligência artificial aliados a uma Big Data de informações pessoais levam a máquina a direcionar o pensamento humano de acordo com os interesses sórdidos de quem pagar mais. Não basta, porém, “desplugar”. Mas sobretudo articular mecanismos eficientes para resistência e conscientização. A educação, a arte, a música, são caminhos possíveis.    

“Minha suspeita (rezo para estar errado!) é que a ação mediada pela internet só possa obter a substituição da não política por uma ilusão da política. Até agora, infelizmente, minhas suspeitas têm sido confirmadas. Nenhuma das explosões populares de protesto estimuladas pela internet e eletronicamente ampliadas conseguiu remover os motivos da raiva e do desespero das pessoas”, conclui Bauman (2013, p. 79). Ao passo que poderíamos concluir com a sentença crítica de Karl Marx, que bem sentiu a falácia ilusória da socialdemocracia em seu nascedouro. Na “Crítica ao programa de Gotha” ele escreve: “cada passo do movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas”. O lugar por excelência de uma coletividade atuante e desperta é a rua e sua cor é o vermelho, e não a blue light das telas touch screen.

Referências:
ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude: conversas com Ricardo Mazzeo. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
BENJAMIN, Walter. Baudelaire e a modernidade. Tradução João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Limiar, aura e rememoração. Ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Editora 34, 2014.

HOMERO. Odisseia. Tradução direta do grego, introdução e notas por Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 2013.


Publicado no blog da Revista Espaço Acadêmico: https://espacoacademico.wordpress.com/2018/11/11/redes-sociais-o-moderno-canto-das-sereias-para-flaneurs-on-line/

terça-feira, 19 de julho de 2016

ESCOLA SEM PARTIDO: A NOVA AVENTURA DE KARL MARX CONTRA O BARÃO DE MÜNCHHAUSEN

Há pelo menos dois séculos se discute a suposta isenção ou imparcialidade – o método – em ciências humanas. Ou quase quatro séculos se pensarmos em Descartes e o more geométrico do “Discurso do método” (1637). Se optarmos por comparar os métodos científicos, colocando lado a lado marxismo e positivismo, ficará evidente que o discurso da Escola sem partido converte-se sorrateiramente numa formidável censura. Uma vez comparados, torna-se mister citar a anedota do Barão de Münchhausen, este herói picaresco e dialético que retorna de tempos em tempos para reviver a batalha perdida para Marx.
Condorcet, filósofo iluminista e contemporâneo da Revolução Francesa, é o pai do conceito de Positivismo.  Condorcet estava inserido no pensamento racionalista e iluminista, no anticlericalismo francês típico da grande Revolução, buscava assim uma ciência objetiva,
relacionada à matemática e física, visando escapar dos preconceitos das classes dominantes de então: a aristocracia e o clero. A ciência positiva deveria se libertar de todos os dogmas políticos ou religiosos, vistos como preconceito e obscurantismo. Mas o primeiro a utilizar o termo “ciência positiva” foi o socialista utópico Saint-Simon. O Positivismo em Condorcet como em Saint-Simon tem um aspecto utópico, crítico e busca a superação da subjetividade. Mas com Augusto Comte, discípulo de Saint-Simon, o conceito passa a ser conservador e distópico. A sociedade deveria ser interpretada tal como uma equação matemática ou lei da gravidade, ou do movimento da Terra em torno do Sol. (LÖWY,
Hoje, sabemos o quanto esse pensamento tem de simplicidade e até ingenuidade, mas, no final dos oitocentos, o positivismo influenciou sociólogos do calibre de um Émile Durkheim e historiadores como Leopond von Ranke. É bem conhecida a ilusão de Ranke, que almejava conhecer o passado “como de fato foi”, como algo fixo e cristalino. Mas o que é mais importante e conveniente compreender sobre o positivismo é a doutrina que lhe é subjacente: a ideia do progresso como algo inevitável e contínuo, como aperfeiçoamento linear da história e da humanidade. Justamente nesse ponto o positivismo fracassa enquanto método, pois ele reconhece apenas a evolução da técnica, do capitalismo, da indústria e não os retrocessos da sociedade. (BENJAMIN, 1994, 2012).
No clássico “As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen”, Michael Löwy examina a relação entre visões sociais de mundo (ideológicas ou utópicas) e conhecimento, no domínio das ciências sociais, a partir de uma discussão crítica com as principais tentativas de elaboração de um modelo de objetividade científica que surgiram no seio do positivismo, do historicismo e do marxismo. A crítica à disfarçada ou deliberada tentativa de isenção ou imparcialidade, da ciência livre de julgamentos de valor ou de classe, sobretudo nos positivistas, mas também em Max Weber, quando este afirma que na esfera das ciências sociais, uma demonstração científica metódica que pretende ter atingido seu objetivo, deve poder ser reconhecida como exata “da mesma maneira por um chinês”, surge de forma erudita num diálogo entre a utopia e as ideologias, para que o método sociológico torne-se não menos ideológico, mas sim, mais cristalino e objetivo.
A crítica tem um elemento bem humorado quando Löwy relaciona o “esforço de objetividade” da sociologia positivista, de Durkheim e seus discípulos, como uma ilusão ou mistificação, com a anedota do Barão de Münchhausen. Este herói picaresco, tal como os positivistas, quando se vê atolado num pântano em que ele e seu cavalo estavam sendo tragados e sem a ajuda de ninguém, agarrou seus próprios cabelos e, por meio deles, puxou-se para cima, trazendo consigo seu cavalo entre as pernas. Com esta alegoria bem humorada, Löwy (1995, p. 32) conclui “que os que pretendem ser sinceramente seres objetivos, são simplesmente aqueles nos quais as pressuposições estão mais profundamente enraizadas”.
A metáfora ou alegoria com o Barão de Münchhausen evidencia a estreita subjetividade nas ciências humanas, mesmo sob a máscara da isenção e imparcialidade. As ideologias de classe estão presentes mesmo em autores que advogam a objetividade da “ciência pura”. O proletariado, todavia, segundo Löwy não necessita desse aparado ideológico para provar sua verdade.
Na conclusão de As aventuras de Karl Marx, Michael Löwy resgata uma metáfora de Rosa Luxemburgo e compara o cientista social ao pintor de uma paisagem, pois a pintura depende em primeiro lugar do que o artista pode ver, isto é, do observatório onde ele se acha inserido. Mas pondera e afirma que o observatório ou mirante é o ponto de vista de classe, e, quanto mais elevado, permite ampliar o horizonte e perceber a paisagem em toda a sua extensão. O observatório mais alto é, naturalmente, o ponto de vista do proletariado. Pois a verdade é para o proletariado uma arma indispensável a sua auto-emancipação, ao contrário da burguesia que tem necessidade de mentiras ou ilusões para manter seu poder, o proletariado tem necessidade de verdade...
“A verdade é sempre revolucionária”, a frase de Antonio Gramsci surgiu quase vinte anos antes, como epígrafe do livro Método dialético e teoria política, de 1978. Esta obra é o prólogo, menos elaborado e sofisticado de As aventuras de Karl Marx. No entanto, já no grundisse (esboço) de 1978 a crítica à sociologia positivista como “uma simplicidade evangélica” fica explicitada. A tentativa epistemológica de assimilação da sociedade à natureza, da sociedade regida por leis naturais, invariáveis e independentes da vontade e da ação humana, “sob o impacto do marxismo, o mito positivista de uma ciência social neutra e assexuada como os anjos da teologia medieval foi severamente abalado” (LÖWY, 1978, p. 17).

Referências:
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
LÖWY, Michael. Método dialético e teoria política; tradução Reginaldo di Piero. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
_____. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo de positivismo na sociologia do conhecimento. São Paulo: Cortez, 1994.
_____. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2010.


segunda-feira, 21 de março de 2016

CULTURA CABOCLA: O MESSIANISMO COMO ELEMENTO DA CULTURA POPULAR E ERUDITA NA GUERRA DO CONTESTADO (19012-1916)

Resumo: Há uma estreita relação entre os movimentos de resistência e cultura popular com o messianismo. Este artigo examina essa aproximação a partir do conceito dialético benjaminiano de “origem” (ursprung). A “origem” é um protofenômeno no sentido teológico, quer seja ele o Paraíso ou o comunismo primitivo, uma idade edênica e igualitária na Terra. Literalmente são “saltos” para fora da continuidade histórica linear que rompem com o desenvolvimento meramente evolucionista da História. A quebra da continuidade histórica não volta-se exclusivamente ao passado idealizado, mas também para o futuro, à utopia, ao millenium. Entre a experiência no passado e a expectativa no porvir há o que pode ser denominado de “tempo messiânico”. No contexto da História Cultural, pode-se dizer que o messianismo está inserido tanto na cultura erudita (nas filosofias de Walter Benjamin e Ernst Bloch), como na cultura popular (entre os caboclos do Contestado, no folclore). Estes elementos constituem uma hipótese de circularidade cultural.

 Palavras-chave: Guerra do Contestado; Messianismo; Circularidade cultural.

Na íntegra em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/28888/16210  




 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

MARCELO MONTEIRO: UM ESCULTOR À MARGEM DO CAPITALISMO

Os pontos destacados acima – Realismo [pouco grotesco], a perda da Aura, o Surrealismo – são, a meu ver, os pontos-chave para a apreensão das esculturas e do pensamento de Monteiro. Mas não são os únicos devido à originalidade de Marcelo Monteiro, que tende a escapar de qualquer escola artística, constituindo assim seu próprio estilo, marcado pela revolta e melancolia. Se fosse possível condensar sua mensagem em uma imagem alegórica[1], diria que suas esculturas nos olham como a Medusa da mitologia grega. Mas trata-se de uma Medusa às avessas, em vez de petrificar aquele que a encara, as esculturas de Monteiro buscam justamente o inverso, isto é, devolver a aura ao ser materializado, ao autômato mecanizado, sem sentimentos.
[...]

[1] O sentido literal não é o sentido verdadeiro. Deve-se aprender uma outra leitura que busque sob as palavras do discurso seu verdadeiro pensamento, uma prática que os estóicos chamam de hyponoia (subpensamento) e à qual Filo de Alexandria dará seu nome definitivo de alegoria (de allo, outro e agorein, dizer)” (GAGNEBIN, 1999, p. 34).