segunda-feira, 24 de junho de 2013

A hipótese do “pré-consciente”: um contraponto a Freud e Jung

Este artigo pretende analisar alguns conceitos psicológicos na filosofia de Ernst Bloch. Para romper com o saber puramente contemplativo e idealista das utopias, Bloch as articula com a filosofia da práxis de Marx e com a ontologia da “consciência antecipadora” ao que “ainda-não-veio-a-ser”. Nesse processo, o homem compreendido como um ser ainda em formação é remetido em direção do futuro, ao novum, ao devir. O impulso ou interrupção que nos move necessariamente rumo ao novo é abordado por Bloch de uma forma bastante peculiar e distinta às pulsões freudianas; a fome, as profecias, os movimentos milenaristas, as utopias e os sonhos acordados são a potência humana.

O ponto central de O Princípio Esperança – maior obra de Bloch – é a espiral de um sistema aberto, ou seja, do homem ainda em formação e da História como um processo aberto, compatível com visões cíclicas de mudanças, rupturas, avanços ou mesmo regressões e incompatível com a ideia de progresso contínuo. Este pensamento pode ser sintetizado na conhecida fórmula “S ainda não é P”, sujeito ainda não é predicado. O componente dialético de Ernst Bloch, apesar de certa influência de Hegel, não é de forma alguma idealista, puramente contemplativo; ele está repleto de uma carga revolucionária materialista. A vertente marxista da psicanálise é bem conhecida em Vigótsky e sua “Formação social da mente”, um epilogo psíquico das obras de Marx como “18 Brumário” e de Engels como “Sobre papel do trabalho na transformação do macaco em homem”, mas ganha fundamentação histórica e erudita em Ernst Bloch.
          
Eric Hobsbawm qualifica Bloch como um autor soberbo, pois desdenha Freud e Jung, mas surpreende-se com a erudição do filósofo da Esperança e conclui enfatizando que “não é todo dia que somos lembrados, com tanta sabedoria, erudição, inteligência e domínio da língua, de que a Esperança e a construção do paraíso terreno são o destino do homem”. Como escreveu Marx a Ruge em 1843: “Ficara evidenciado (...) que o mundo já há muito possui o sonho de uma coisa de que ele apenas precisa ter a consciência para possuí-la de fato”. No entanto, como demonstra Bloch, a tomada de consciência é um processo doloroso na moderna sociedade industrial, reificada, consumista; as ideologias ou “imagens idealizadas no espelho”, um espelho embelezador que reflete apenas o que a classe dominante quer do desejo e como ela o quer, são reformuladas por Ernst Bloch de modo que “o espelho se origine do povo”. Parte substancial dessa reformulação e, igualmente relevante para o desenvolvimento das “utopias concretas” é investigação da psicanálise burguesa, do inconsciente freudiano e dos arquétipos junguianos.
Ontologia do “ainda-não-consciente”   
Há uma clara influência da psicanálise freudiana em Bloch, mas há uma distinção entre seu conceito de “ainda-não-consciente” ou “pré-consciente” e o “inconsciente” de Freud ou “id”, o qual cerca a consciência como se fosse um anel, estando fixado no passado, tendo a função de liberar as imagens e desejos comprimidos; enquanto que os sonhos diurnos são voltados para o futuro. Dito de outra forma, “o ainda-não-consciente” está para o “inconsciente” freudiano assim como o “sonho diurno” está para os “sonhos noturnos” (MUNSTER, 1997, p. 26).
Para Ernst Bloch, o inconsciente da psicanálise nunca é um ainda-não-consciente, um elemento de progressões, ele consiste, antes, de regressões. Tornar consciente esse inconsciente revela apenas o que já foi, o que vale dizer que “no inconsciente de Freud não há nada de novo”. Isso ficou claro também em C. G. Jung, que reduziu a libido e seus conteúdos inconscientes a um fenômeno pré-histórico, onde residiriam exclusivamente memórias ou fantasias primordiais da história tribal, denominadas arquétipos. Bloch é um crítico ferrenho de Jung, qualificando-o como “o fascista psicanalítico” que “menospreza a consciência, como alguém que desdenha a luz” (BLOCH, 2005, p. 59).
Freud e Jung concebem o inconsciente meramente como algo passado na evolução histórica, como algo submerso no porão e existente apenas ali. Um e outro conhecem, ainda que de modo diferenciado, apenas o inconsciente voltado para trás ou situado abaixo da consciência já existente, “eles não conhecem uma pré-consciência do novo”. Um agravante, para Bloch é que, tanto em Freud, Jung ou Adler, a doutrina das pulsões jamais é discutida como uma variável das condições socioeconômicas.
Porém, se de fato se pretende distinguir pulsões fundamentais no homem, elas variam em função das condições materiais tais como classe e época, e conseqüentemente também conforme a intenção e a direção da pulsão. (...) Elas não se destacam de modo tão evidente como, por exemplo, a fome, que psicanaliticamente foi deixada de fora em toda parte (BLOCH, 2005, p. 67).
     
Bloch adverte que a apreensão da fome como uma pulsão fundamental não restringe a expressão real da questão ao interesse econômico, ao velho debate da base e superestrutura; o fator econômico não é o único, mas o fundamental; nunca determinante, embora condicionante. A partir da fome formam-se os afetos expectantes (angústia, medo, esperança e fé) que se estendem através do aspecto desejante até o alvo de uma vida melhor: formam-se sonhos diurnos. “Eles sempre procedem de uma carência e querem se desfazer dela. Todos são sonhos de uma vida melhor (...), o que é intuído pelo impulso de auto-expansão para frente é um ainda-não-consciente” (BLOCH, 2005, p. 79).
Todos os afetos expectantes indicam para frente, o contexto temporal do seu conteúdo é o futuro, sendo que a esperança implica o bem-supremo, a bem aventurança irrompendo, que dessa forma ainda não existiu. A esperança e a confiança (afetos expectantes positivos) frustram o medo e a angústia ou desespero. Bloch (2005, p. 115) cita uma passagem de Hölderlin que exemplifica o potencial utópico da esperança: “Onde há perigo, cresce também o que salva”. Perigo e fé são a verdade da esperança, de tal modo que ambos estão reunidos nela e o perigo não tem medo, nem a fé tem em si uma quietude indolente”. A esperança é, em última análise, um afeto prático, militante.
O conteúdo ativo da esperança, na qualidade de conscientemente esclarecido, cientemente explicado, é a função utópica positiva, enquanto o conteúdo histórico da esperança, evocado primeiramente em representações, investigado enciclopedicamente em juízos concretos, é a cultura humana na relação com seu horizonte utópico-concreto (BLOCH, 2005, p. 146).
  
Dessa forma a utopia torna-se um elemento da atividade humana orientada para o futuro, um topos da consciência antecipadora e força ativa dos sonhos diurnos. Esse topos utópico é possível pelo fato de que o mundo não é um lugar fechado, ou processo acabado, porque possui horizonte aberto e cheio de possibilidades “ainda-não” realizado, tudo no mundo é movimento e agitação, as vezes em estado de latência, as vezes revolucionário.
Conclusões
O espírito utópico de Bloch, cujas categorias centrais são “possibilidade” e “esperança”, rompem com o estado de reificação do mundo burguês e seu aparato ideológico. Quando Bloch escreve que o “não” é um “ainda-não” que pode “vir-a-ser”, ele desmistifica a realidade social estratificada, coisificada e abre uma fronteira no campo da filosofia da práxis rumo ao novo, ao devir, ao futuro, enfim... à esperança. O ímpeto e o desejo irrompem através dos sonhos diurnos e da consciência antecipadora e tem como referência o horizonte mais amplo e mais claro, rumo à nova aurora, num sentido semelhante à frase de Marx e Engels escrita em 1848 no Manifesto Comunista: “tudo que é sólido desmancha no ar”.

  Ernst Bloch é mais que um filósofo ou teólogo, antes de tudo “é um artista com penetração psicológica de um escritor maior, um poli-historiador” que entende a origem do processo não em sua gênese, mas no ômega. Incipt vita nova!        

A câmara obscura: a fotografia como fonte histórica

Resumo:



O século XX marcou uma ruptura com a historiografia positivista, os estruturalistas franceses assim como os marxistas inauguraram uma nova forma de ler e pensar a História. Gradativamente os conceitos da escola metódica como o predomínio pelas grandes personalidades e a fascinação pelo documento original foram substituídos. A evolução historiográfica trouxe consigo novas fontes, houve um alargamento na noção de documento e, nesse sentido, a fotografia e as imagens em geral constituem um importante papel para a consolidação do “novo fazer histórico”. Hoje, a iconografia está inserida em qualquer estudo sério, direta ou indiretamente relacionado às fontes tradicionais. Contudo a metodologia utilizada ainda precisa ser aperfeiçoada. Este artigo não tem a pretensão de uma análise metodológica específica, o que seria terreno dos semiólogos e teóricos da percepção. Mas sim, alguns apontamentos acerca da utilização pelo historiador da fotografia e sua função social na era da reprodutibilidade técnica.

Palavras-chave:  Historiografia; Fotografia; Metodologia



Um “saco de batatas”, spray de pimenta, vinagre: a salada heterogênea e inconstante dos recentes protestos populares.

“Apenas o historiador míope considera ‘cegas’ as explosões da multidão” (Edward Thompson, Costumes em Comum).

          No calor da hora toda convicção pode reduzir-se ao equivoco. Por isso este texto busca interpretar de forma parcial a recente onda de protestos que cobriu o país. Passadas as primeiras horas de empolgação e apoio irrestrito é necessária uma análise fria e racional. Talvez o método de “escovar a história a contrapelo” ou nadar contra a corrente possa chocar o leitor que se apóia nas conclusões midiáticas e do senso comum. No entanto, é preciso cautela e lembrar a “marcha da família com Deus pela liberdade”, o ensaio geral para o golpe civil-militar de 1964, bem como a greve de caminhoneiros que desestabilizou o Chile e abriu as portas para a deposição de Allende, ou ainda os pomposos desfiles dos camisas negras de Mussolini e das S.A. de Hitler. Em todos os casos a opinião pública declarou apoio irrestrito à multidão; as conseqüências disso todos conheceram.
      Essa reflexão naturalmente não invalida a legitimidade do movimento, ao menos suas motivações iniciais: o passe livre, reduzir a tarifa e melhoria do transporte coletivo. Nada mais justo. Entretanto, a história nos dá provas de que não importa a benevolência e altruísmo das ações de massa, mas sim a apropriação que se faz a posteriori das suas conseqüências, nesse sentido a multidão – sobretudo de estudantes – é constantemente manipulada como “massa de manobra”. A inconsistência e heterogeneidade do movimento corroboram com a tese de que não existe uma representação própria para seus anseios e objetivos imediatos, antes, são representados por uma elite que não anda de ônibus e portanto, não teria motivos para protestar.
         É nesse sentido que se faz conveniente lembrar a máxima de Karl Marx sobre a falta de consciência de classe dos camponeses durante as Revoluções de 1848: um saco de batatas. A classe trabalhadora lutava ainda contra os inimigos de seus inimigos, ou seja, contra os inimigos de burguesia, a nobreza. Constituía uma classe em si, mas não uma classe para si. O proletariado foi definido por Marx com o termo lumpen, literalmente “trapo” em alemão, como uma colcha de retalhos, são os trapos que sobram quando tenta-se unir o tecido principal. O lumpemproletariado deu o tom para a trágica ascensão de Luis Bonaparte em 1850 frustrando e interrompendo a luta legitima do verdadeiro proletariado por vinte anos, até a Comuna de Paris, em 1871.
As rebeliões e protestos populares durante a Revolução Industrial oferecem-nos importantes chaves comparativas com o atual movimento. Respeitadas as diferenças de tempo e espaço, algumas comparações podem auxiliar as breves conclusões esboçadas ao final. Vejamos alguns exemplos.
 Em 1768, quando, entre a multidão que cercou a Câmara dos Lordes, havia pessoas que gritavam ‘que o pão e a cerveja estavam caros demais e que tanto valia morrer na forca como de fome’. É o que nos conta George Rudé (1991, p. 272) em excelente trabalho sobre a multidão na história. O autor conclui que “inconstância ou ‘imobilidade’ da multidão é, evidentemente, um mito que se santificou pela repetição. Umas das palavras inglesas para multidão, mobb, vem do latim móbile vulgus, não sendo de surpreender que as classes ricas, sempre que foram impotentes para controlar as energias da multidão, a tivessem considerado um monstro inconstante, ao qual faltava qualquer lógica. “De fato, o estudo da multidão pré-industrial sugere que ela se amotinou visando a objetivos preciosos e raramente empenhou-se em ataques indiscriminados a propriedades ou pessoas”.
Thompson (1998, pp. 152 e 155) veria o século XVIII como um período de crescente confrontação entre a economia de mercado inovadora, baseada no laissez-faire e uma economia moral das plebes, fundamentada na tradição paternalista e no direito consuetudinário. “O modelo paternalista existia no corpo da lei estatuária, bem como no direito consuetudinário e no costume”. “É possível detectar em quase toda ação popular do século XVIII uma noção legitimadora (...) defendendo direitos tradicionais; e de que, em geral tinham o apoio e o consenso mais amplo da comunidade. De vez em quando esse consenso era endossado por alguma autorização concedida pela comunidade”.
Esses motins ou rebeliões não tinham como objetivo a destruição de bens materiais (como ocorre posteriormente com o Ludismo), era um movimento coletivo, pouco organizado, onde a ação principal não era o saque de celeiros nem o furto de grãos de farinha, mas fixar o preço. Esse processo estava enraizado na mentalidade das massas graças a uma construção história de longa duração (no sentido de Fernand Braudel), baseada no Book of Orders que, desde o reinado de Elizabeth, garantia o abastecimento mínimo de cereais à população através de magistrados que regulavam a distribuição, os estoques e até o preço dos grãos. Era, de fato, a intervenção e o controle do abastecimento por parte do Estado. Em suma, o poder de fixar o preço dos grãos e de farinha ficava, numa emergência, a meio caminho entre a imposição e a persuasão.
Fixar o preço do alimento e até do dizimo: “Em muitas paróquias, o primeiro lugar visitado foi a casa do pároco, onde o ocupante era solicitado com cortesia, mas com firmeza, a reduzir os dízimos”. Em Sussex os dízimos foram baixados de 1400 libras para 400 libras. “Párocos da Igreja Anglicana foram advertidos para que abrissem mão de seus dízimos” (RUDÉ, 1991, p. 174).
No entanto, esse modelo econômico baseado na regulamentação e no abastecimento direto do produtor ao consumidor, sem a presença do intermediário ou do atravessador, foi paulatinamente suprimido no decorrer da segunda metade do século XVIII. O modelo paternalista estava se rompendo em muitos pontos e a legislação contra a compra de mercadorias antecipadas fora revogada em 1772. Nesse período o modelo paternalista tinha “uma experiência real fragmentaria. Nos anos de boa colheita e preços moderados, as autoridades caiam no esquecimento. Mas se os preços subiam e os pobres se tornavam turbulentos, o modelo era ressuscitado, pelo menos para produzir um efeito simbólico” (THOMPSON, 1998, p. 160).
Esse debate que culminou com a revogação da legislação contra as compras antecipadas, assinalou uma vitória do laissez-faire, a liberdade ilimitada e irrestrita do comércio dos cereais era também o que Adam Smith pleiteava. Para Thompson (1998, p. 161), esse novo modelo econômico trazia consigo uma desmoralização da teoria do comercio e do consumo.
Em artigo debatendo as obras e os críticos da obra de Thompson, Sidnei Munhoz (1993, pág. 163) acredita que sua tese principal é que o processo de constituição de classe se dá “em decorrência do fato de as pessoas estabelecerem, em seu cotidiano, identidades e diferenças, sentindo-se como integrantes de um mesmo grupo ou de grupos antagônicos”. Em suma, a consciência que se produz no desenrolar da ação humana, em suas lutas e batalhas, propicia a formação da classe, dotando-a de uma consciência, mesmo que embrionária como sentimento de “pertencimento” a uma determinada classe distinta e antagônica daquela dominante.
A obra de Eric Hobsbawm está relacionada à tentativa de apreensão de como ocorreu o progresso político da consciência de classe. Nesse aspecto, “Os Trabalhadores” e, especificamente o capítulo intitulado “Os destruidores de máquinas” é de vital pertinência. Nesse estudo, o autor rechaça a ortodoxia marxista que insistia em ver nos protestos de enfrentamento e quebra de máquinas uma rebelião desorganizada, sem liderança e que refletia a ignorância da multidão frente à mecanização inevitável. Hobsbawm (1981, pp. 21 e 22) demonstra que, inversamente à opinião convencional, “é evidente que a luta deles não foi uma simples luta contra o progresso técnico com tal”, mas sim uma tentativa coletiva de fazer pressão aos empregadores, trabalhadores extras e furadores de greve, além de garantir a solidariedade essencial entre os trabalhares.
 A crença quase mitológica na “mão invisível” do mercado que se auto-regula, num período em que as profecias mais apressadas chegaram a prever o “fim da História”, como em Fukuyama, caíram por terra logo após o colapso do bloco soviético. A ilusão de que tudo adiante seria liberal e livre mercado foi logo desmistificado com as guerras, políticas protecionistas e organização de blocos econômicos locais. Para Hobsbawm, enquanto houve uma alternativa ao capitalismo liberal, as classes trabalhadoras conquistaram direitos como nunca antes, o famoso estado de bem-estar social e as políticas keynesianas. Como afirma Martins (2010, p. 84), por mais que o modelo de socialismo real não tenha sido o ideal, ele teve o efeito de “corrigir os excessos do capitalismo”.      
A concepção dos historiadores marxistas britânicos de uma História social (econômica e cultural), tal como descrito por Harvey Kaye, resgatando a memória dos chamados vencidos numa perspectiva “de baixo para cima”, é de vital importância para a compreensão de que os grandes protagonistas da História são as classes trabalhadoras, num sentido etimológico da palavra “classes”, enquanto coletividade, como relações e processos históricos. Nesse sentido, as classes baixas tornam-se ativas na formação da História, mais que meras vitimas passivas no sentido de “fazer-se” de Thompson.         
Conclusões:
          “Às reivindicações sociais do proletariado limou-se-lhes a ponta revolucionaria e deu-se-lhes uma volta democrática; às exigências democráticas da pequena burguesia retirou-se a sua forma meramente política e afiou-se a sua ponta socialista”. Assim nasceu a social-democracia, escreveu Marx no 18 brumário. O caráter da social-democracia consiste em converter trabalho assalariado e capital em harmonia, retirando-lhe seu tempero conflituoso das contradições. Mais de vinte anos de social-democracia no Brasil nos deram mostras desse processo. A doce ilusão da classe trabalhadora de aburguesar-se, no sonho da ascensão social. O que a social-democracia tem de mais eficaz é seu poder persuasivo que causa embriaguez e miopia avançada quanto à realidade social. A transformação da sociedade através de reformas por vias democráticas – o programa do PSDB e PT – limita-se ao quadro da pequena burguesia, ao consumo, portanto.
         A “besta”, a multidão sem programa político e sem representatividade, ainda que domesticada, só beneficia a classe dominante. E aí está o porquê do apoio tácito e oportunista da mídia! A frase clássica de Thompson, de que “a cultura popular é rebelde, mas o é em defesa dos costumes” pode ter seu equivalente equiparado ao Brasil contemporâneo: “a cultura popular é rebelde, mas o é em defesa do consumo”. Como descrito por um colega com audácia anacrônica sobre a adesão de jovens aos protestos, assemelha-se as “cruzada das crianças”. Torceremos para que o desfecho não seja tão trágico quanto no medievo, onde as crianças coagidas a aderir uma guerra que não era sua, acabaram sendo vendidos como escravos ou mortos.
             Há, no entanto um ponto positivo dos protestos: mobilizar para a r(evolução) as energias da embriaguez. Resta-nos torcer para que essa energia não seja canalizada para uma revolução de caranguejo, como nos vinte anos de ditadura, ou seja, uma contra-revolução, ou uma revolução que anda para trás. A classe trabalhadora não pode limitar-se a “revolução dos I’pods e I’phones”.

Referências:
HOBSBAWM, Eric. Os trabalhadores: estudo sobre a história do operariado. Tradução Mariana Leão Teixeira Viriato de Medeiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
__________. Sobre História. Tradução Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
KAYE, Harvey J. Los historiadores marxistas británicos: un análisis introductorio. Zaragoza: Univerdidad, Prensas Universitarias, 1989.   
MARX, Karl. 18 brumário de Luis Bonaparte, vol. II. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
RUDÉ, George. A multidão na história: estudo dos movimentos populares na França e Inglaterra, 1730-1848. Rio de Janeiro: Campus, 1991.

THOMPSON, Edward P. Costumes em Comum. Revisão técnica Antonio Negro, Cristina Meneguello, Paulo Fontes. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.