quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Niemeyer e a forma do corpo humano pelo concreto


Um ano de perdas inestimáveis em termos de intelectualidade e ideais socialistas. Depois do maestro Eric Hobsbawm, agora perdemos o ícone, e sempre jovem, Oscar Niemeyer. De todas as inovações da “moderna” arquitetura que marcou o estilo Niemeyer, o que a imprensa jamais vai divulgar é que suas convicções ideológicas, comunistas, sempre sobrepuseram e moldaram sua composição material. Sua marca registrada, as curvas, a repulsa ao ângulo reto, são inspirados no corpo-humano, “nas nádegas de uma mulata”, como ele mesmo gostava de afirmar, sem nenhuma conotação sexual ou pejorativa, mas inversamente, com aspecto valorativo.
Essa “audácia arquitetônica”, que difere do senso-comum, que foge aos mesmismos entediantes que forçam as individualidades e peculiaridades a seguir as regras e os conceitos tidos como naturais e quase imperceptíveis de uma geração que nasce e vive para consumir, hoje choca, ainda que pela beleza, mas que deveria ser, em vez de exceção, regra geral. As formas de Niemeyer se destacam, pelo seu exotismo, exatamente por fugir dos lugares-comuns, por deixar fluir e destacar as formas e expressões do corpo-humano, quente e vivo, sobre a frieza morta do concreto.
Isto não é novidade! As gregos já o faziam no século V a.C. Basta um exercício de rememoração para lembrar que o estilo grego de construção, sobretudo o ateniense, já valorizava as formas do corpo entre as colunas de mármore. Uma civilização que valoriza as expressões corporais, e os gregos foram mestres e insuperáveis nesse quesito, permite que as formas humanas se sobreponham às materiais. A ágora (praça pública), a acrópole (Parthenon), permitiam ao cidadão uma profunda interação entre a cidade e o corpo-humano. Em todas as suas manifestações os espaços da polis deveriam facilitar a exposição e a expressão do corpo. Isso fica evidente nos banhos públicos, nas orkestras (o teatro grego em forma de semicírculo), nos ginásios onde os exercícios eram realizados com o corpo inteiramente nu (daí deriva a palavra ginástica, do grego gímnos = nu).
A expressão corporal entre os gregos era motivo de orgulho e uma manifestação de cultura que os diferenciava dos povos ditos bárbaros. O que fica claro na arte grega, em esculturas como a Afrodite de Medos (com os seios a mostra, que motivaria o quadro de Delacroix sobre Revolução Francesa) e nas obras magníficas de Míron, como o “Discóbolo”. Atualmente, em vez de orgulho, há um sentimento de vergonha do corpo, é preciso escondê-lo, moldá-lo de acordo com a estética moderna, a ditadura da magreza; mas sobretudo, o corpo mais delineado e escultural, é eclipsado pela... tosca arquitetura que esconde o humano e valoriza o concreto.
O que escrevo é referendado pelos autores que estudam a História das Cidades, autoridades como Richard Sennett em “Carne e Pedra”, e Gustave Glotz em “A Cidade Grega”. O próprio Marx já havia profetizado em 1843, nos Manuscritos econômico-filosóficos que “a desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas”, um texto com enorme atualidade. Nesse sentido, não é mera coincidência que o estilo arquitetônico de Niemeyer seja chamado de... “Escola Ateniense”. Um exemplo específico desse estilo é o prédio da antiga sede do Ministério da Educação no Rio de Janeiro, projetado ainda em 1940, onde não existe térreo, nem garagem, mas a continuação do calçamento entre as colunas, sem paredes.
A arte de Niemeyer nos faz pensar que a vida não se restringe ao individualismo ou isolamento solitário nas auto-prisões de concreto, os apartamentos e condomínios fechados. Que o homem é um animal social e deve viver em comunidade e que o mundo pode ser habitado e compartilhado por toda a raça humana, desde que não haja tamanha cobiça e concupiscência. Utopia: Obviamente. Isso só seria possível numa sociedade socialista. Justamente por isso Niemayer é uma genialidade em extinção, por que vai contra os sensos-comuns da unanimidade burra. No entanto, seu legado está eternizado, não nas suas obras materiais, mas nas ideias. O corpo perece, tal como toda matéria, mas as ideias são perpétuas. Afinal, “a vida é um sopro”. 

sexta-feira, 4 de maio de 2012

“AQUI É DA TERRA QUE SE SOBE AO CÉU”: MARX, ENGELS E A RELIGIÃO

Resumo: O presente artigo pretende discutir a relação, muitas vezes controversa, entre marxismo e religião, sobretudo com o Cristianismo. Para a análise especifica do pensamento marxiano acerca da religião se fez necessário um estudo detalhado de todas as obras de juventude de Marx, de 1841 a 1848, ano de publicação do Manifesto Comunista, uma vez que esta produção reflete o autor em sua gênese filosófica (hegeliana e feurbachiana) e menos economista; além de algumas obras de Friedrich Engels que também abordam o fenômeno religioso. Na seqüência, observam-se os desdobramentos dos “materialismos históricos” no século XX, nas suas vertentes ortodoxas e heterodoxas, suas afinidades, aproximações e rupturas com o Clero Católico. Por fim, busca-se a compreensão da práxis em seu exemplo específico, a Teologia da Libertação na América Latina. Não temos a pretensão de uma discussão teórica e/ou filosófica entre Materialismo Histórico e Idealismo ou abstrações metafísicas, mas sim os paralelos históricos, sociais e políticos que engendram essa temática.  

WALTER BENJAMIN E A TEORIA MESSIÂNICA DA HISTÓRIA

Resumo: “Escovar a história a contrapelo”. Talvez seja este o termo, descrito na sexta tese Sobre o conceito de História, que melhor sintetize o pensamento benjaminiano acerca da historiografia positivista e historicista dominante no período entre guerras e de ascensão do fascismo. Através da estética social, da crítica literária e da arte, Benjamin apreendeu como poucos autores do seu tempo a realidade social e política que levavam a Europa rumo à catástrofe iminente. A partir das premissas apocalípticas, sobretudo para um judeu, nas décadas de 1920 e 1930, este autor concebeu uma aproximação original e coerente entre Materialismo Histórico e teologia, entre messianismo judaico e marxismo, para possibilitar, dessa forma, “mobilizar para a revolução as energias da embriaguês”. Para romper com a reificação do moderno trabalhador industrial, com a crença ilimitada no progresso da técnica, com a concepção de tempo linear, homogêneo e vazio, para recuperar a “aura perdida”, Benjamin desenvolve o conceito de “interrupção messiânica”. É esse conceito que este artigo pretende abordar, relacionando-o sempre com os exemplos empíricos de messianismo e milenarismo, sobretudo à Guerra do Contestado.        

Na íntegra em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Urutagua/article/view/18449


ENTRE O CÉU E A TERRA: MATERIALISMO E MESSIANISMO NO CONFLITO DO CONTESTADO (1912 -1916)

Resumo: A partir da revisão de literatura do movimento do Contestado e da análise comparativa entre a geração de sociólogos e dos historiadores percebe-se que a historiografia está relegando o fenômeno religioso - ou o messianismo propriamente dito – como um epifenômeno. Alguns autores defendem “o ponto de vista de que as características milenares e messiânicas são apenas alguns dos aspectos a serem avaliadas no Contestado” e que “o conceito de messianismo, tal como é empregado por Pereira de Queiróz, é pouco útil para o estudo deste movimento social”. Para Ivone Gallo, as dúvidas que pairam sobre a guerra estão “na divergência existente entre a racionalidade republicana e o modo de vida caboclo”. Este artigo propõe uma análise sociológica da religião integrada às mudanças econômicas provocadas pela penetração do capital transnacional nos sertões brasileiros, sobretudo com o Sindicato Farquhar. Em suma, a historiografia dos movimentos sociais evoluiu bastante no quesito integração religiosa e político/social (Hobsbawm em “Rebeldes Primitivos” e “A invenção das tradições”, E.P. Thompson em “Formação da classe operária inglesa” e “Costumes em Comum). Buscamos a co-relação entre religião e economia sem entrar no determinismo ou na teoria dos reflexos de Marx, mas sim, através de autores como Walter Banjamin e Ernst Bloch que sintetizam materialismo histórico e movimentos messiânicos e milenaristas.