segunda-feira, 6 de maio de 2013

Ilusão digital ou violência real? (Sobre o vídeo-game)

     Quando abordamos a suposta intrínseca relação dos games violentos com a violência real caímos, muitas vezes, num debate infundado, numa polêmica aparentemente irrelevante. Afinal, como comprovar uma hipótese no campo da especulação e parcialidade que julga e condena o game num ritual sumário, sem oportunidade de defesa? O que se propõe neste breve ensaio é uma inversão da tese dominante (de que o game influi diretamente na violência), para que, fugindo do senso-comum, pensemos se a realidade social violenta não influi na escolha do game violento?
     É bastante reconhecido - pela pedagogia e psicologia - o caráter lúdico dos jogos na infância e adolescência. Didaticamente é brincando que se aprende. Diversas pesquisas indicam o aumento da percepção sensorial e cognitiva de acordo com os brinquedos utilizados. Há um estimulo da criatividade a partir dos desafios virtuais. Se essa criatividade será usada para o bem ou para o mal já é uma outra questão.
     Há, no entanto, o outro lado da moeda. É preciso reconhecer o fato de que muitos assassinos em série, como os atiradores que frequentemente invadem as escolas e universidades dos Estados Unidos, em atentados cruéis e covardes, era sádicos viciados em jogos violentos. Alguns deles até utilizaram os consoles virtuais para treinamento de tiro.
     Neste ponto cabe uma reflexão. Primeiramente reconhecer que pode haver uma relação direta entre o vídeo-game e a vida real, em determinados países, onde deveria haver uma legislação específica regulando a venda de games e, sobretudo, de armas. Contudo, num segundo momento podemos questionar se a violência não seria latente naquela sociedade em si. Afinal, não se vê atiradores em escolas de países pacíficos como Canadá, Noruega e Suíça.

Mefisto e os Faustos do DHI


O machado já está pronto para cortar a raiz das árvores; toda árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo (Mateus 3, 10).
          O personagem real ou fictício de Fausto – aquele que entrega a alma ao diabo em troca de prazeres terrenos, juventude e fortuna – é um lugar comum na literatura ocidental. Diversos autores, desde o século XVI, se debruçaram na análise desse mito moderno. É conhecido o Fausto de Marlowe, de 1604, mas a produção mais elaborada, sofisticada e celebre é de Wolfgang Goethe, que levou apenas 50 anos para ser escrito, desde a segunda metade do século XVIII até a década de 30 do XIX. Uma obra monumental, que transformou um personagem em mito.
Dá-me força para, no mundo, em louca ansiedade,  
Trilhar muitos caminhos, e a felicidade,
Procurar sozinho em meio a tanta tempestade;
Nem temer naufrágio, esta calamidade!
(Fausto, parte I, p. 464)

          As produções cinematográficas são diversas representando Fausto. Destacam-se “Fausto” de Murnau, 1926; “Mefisto” de István Szabó; “O retrato de Dorian Gray” e o recente “O Diabo veste Prada” com Maryl Streep. Os críticos literários e sociológicos da obra de Goethe, como Georg Simmel e Walter Benjamin afirmam que para compreender a obra e sua correlação com a realidade social, é necessário apreendê-la como simbólico-alegórica. Isto é, são representações, alegorias do estranhamento humano frente à modernidade (ver Marshall Berman: “Tudo que é solido desmancha no ar”). Apenas assim entende-se aquilo que Goethe chamou de “misterioso em plena luz do dia”, ou até “mistério sagradamente público”.  
          Há representações variadas, não necessariamente relacionadas à alma e diabo. Pode-se associá-las ao culto ao dinheiro, ao capital, ao consumo; ao que Walter Benjamin chamou de “o capitalismo como religião”, tendo em vista que      “o capitalismo desenvolveu-se no Ocidente de forma parasitária sobre o cristianismo” como uma religião de mero culto, sem dogma. O espírito do capitalismo não tem a ética protestante, parafraseando Max Weber às avessas. Tal concepção pode ser evidenciada, na prática, na “doutrina do caça-níquel” das igrejas neo-pentecostais.
          Podemos imaginar uma contrapartida prática ao Fausto goethiano, no departamento de História UEM. Sim, temos nosso Mefistófeles. Tal como na literatura este Mefisto aparece sedutor, elegante (usa uma grife com emblema de um pato jogador de Polo...), tem voz persuasiva e olhar aristocrático. Mas a alma tão negra quanto o inferno. Este Mefisto monopolizou a chefia do DHI por quase uma década. Neste transcurso foram contratados a maioria dos nossos professores atuais (nossos Faustos moderninhos). E a única explicação para tamanho entreguismo e omissão dos docentes perante a vergonhosa e imoral situação dos atuais concursos do DHI é que, para adentrarem no departamento, tiveram que entregar sua alma (e os culhões) a Mefisto. Como uma dívida de honra ou atestado ideológico que Mefisto não tarda a cobrar. Em linguagem profana isso não teria outra designação senão máfia, como diria Hobsbawm em “Rebeldes Primitivos”.
          Dentre os Faustos podemos mencionar, entre outros, a Fausta Antiga, que passeia nos jardins de Roma como um ocioso, contemplativa e desinteressada, como se a ciência não tivesse relação com a realidade social. O Fausto Medieval, sua prepotência e soberba apenas escondem sua insegurança e covardia. O Fausto Moderno, preguiçoso e aposentado em plena sala de aula. O Fausto Econômico, este rivaliza o próprio Mefisto e sonha tomar o seu lugar, é ambicioso embora ingênuo, pois desconhece a própria mediocridade intelectual. 
          Felizmente a banda boa do departamento acordou, e já não era sem tempo! Por estarem “do lado bom da força” não deixam de serem Faustos também, uma vez individualistas, preocupados unicamente com seu lattes. Demoraram pra entender que os neoliberais da UEM pregam o individualismo, mas agem em grupo. Mas ainda há tempo de redenção para os que saíram da teia de Mefisto. Redenção que só pode ocorrer coletivamente. Assim como o Messias judaico-cristão não é um ser único, mas a humanidade redimida pronta para vencer o anticristo. Os acadêmicos, proto-faustos em potencial, também não podem ficar omissos e indiferentes. O historiador contemplativo e covarde não pode ter a honra dessa qualificação, é apenas um fantoche. O poder está nas mãos da comunidade acadêmica que tem o dom de invocar a máxima de Ezequiel 21,27: “derruba, derruba, derruba”. A “árvore” está podre, seus frutos fedendo; deve cair.


Referencias:
GOETHE, J.W. Fausto, Werther. Tradução Alberto Maximiliano. São Paulo Nova Cultura, 2002.
BENJAMIN, W. Ensaios reunidos: escritos sobre Goethe. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2009.