“O machado
já está pronto para cortar a raiz das árvores; toda árvore que não der bom
fruto será cortada e lançada ao fogo”
(Mateus 3, 10).
O personagem real ou fictício de Fausto – aquele que entrega
a alma ao diabo em troca de prazeres terrenos, juventude e fortuna – é um lugar
comum na literatura ocidental. Diversos autores, desde o século XVI, se
debruçaram na análise desse mito moderno. É conhecido o Fausto de Marlowe, de
1604, mas a produção mais elaborada, sofisticada e celebre é de Wolfgang
Goethe, que levou apenas 50 anos para
ser escrito, desde a segunda metade do século XVIII até a década de 30 do XIX.
Uma obra monumental, que transformou um personagem em mito.
Dá-me força para, no
mundo, em louca ansiedade,
Trilhar muitos caminhos,
e a felicidade,
Procurar sozinho em meio
a tanta tempestade;
Nem temer naufrágio,
esta calamidade!
(Fausto,
parte I, p. 464)
As produções cinematográficas são diversas
representando Fausto. Destacam-se “Fausto” de Murnau, 1926; “Mefisto” de István
Szabó; “O retrato de Dorian Gray” e o recente “O Diabo veste Prada” com Maryl
Streep. Os críticos literários e sociológicos da obra de Goethe, como Georg
Simmel e Walter Benjamin afirmam que para compreender a obra e sua correlação
com a realidade social, é necessário apreendê-la como simbólico-alegórica. Isto é, são representações, alegorias do
estranhamento humano frente à modernidade (ver Marshall Berman: “Tudo que é
solido desmancha no ar”). Apenas assim entende-se aquilo que Goethe chamou de
“misterioso em plena luz do dia”, ou até “mistério sagradamente público”.
Há representações variadas, não necessariamente
relacionadas à alma e diabo. Pode-se associá-las ao culto ao dinheiro, ao
capital, ao consumo; ao que Walter Benjamin chamou de “o capitalismo como
religião”, tendo em vista que “o capitalismo
desenvolveu-se no Ocidente de forma parasitária sobre o cristianismo” como uma
religião de mero culto, sem dogma. O espírito do capitalismo não tem a ética
protestante, parafraseando Max Weber às avessas. Tal concepção pode ser
evidenciada, na prática, na “doutrina do caça-níquel” das igrejas
neo-pentecostais.
Podemos imaginar uma contrapartida prática ao Fausto
goethiano, no departamento de História UEM. Sim, temos nosso Mefistófeles. Tal
como na literatura este Mefisto aparece sedutor, elegante (usa uma grife com
emblema de um pato jogador de Polo...), tem voz persuasiva e olhar
aristocrático. Mas a alma tão negra quanto o inferno. Este Mefisto monopolizou
a chefia do DHI por quase uma década. Neste transcurso foram contratados a
maioria dos nossos professores atuais (nossos Faustos moderninhos). E a única
explicação para tamanho entreguismo e omissão dos docentes perante a vergonhosa
e imoral situação dos atuais concursos do DHI é que, para adentrarem no
departamento, tiveram que entregar sua alma (e os culhões) a Mefisto. Como uma
dívida de honra ou atestado ideológico que Mefisto não tarda a cobrar. Em linguagem
profana isso não teria outra designação senão máfia, como diria Hobsbawm em
“Rebeldes Primitivos”.
Dentre os Faustos podemos mencionar, entre outros,
a Fausta Antiga, que passeia nos
jardins de Roma como um ocioso, contemplativa e desinteressada, como se a
ciência não tivesse relação com a realidade social. O Fausto Medieval, sua prepotência e soberba
apenas escondem sua insegurança e covardia. O Fausto Moderno, preguiçoso e aposentado em plena sala de aula. O Fausto Econômico, este rivaliza o próprio
Mefisto e sonha tomar o seu lugar, é ambicioso embora ingênuo, pois desconhece
a própria mediocridade intelectual.
Felizmente a banda boa do departamento acordou, e
já não era sem tempo! Por estarem “do lado bom da força” não deixam de serem
Faustos também, uma vez individualistas, preocupados unicamente com seu lattes. Demoraram pra entender que os
neoliberais da UEM pregam o individualismo, mas agem em grupo. Mas ainda há
tempo de redenção para os que saíram da teia de Mefisto. Redenção que só pode
ocorrer coletivamente. Assim como o Messias judaico-cristão não é um ser único,
mas a humanidade redimida pronta para vencer o anticristo. Os acadêmicos,
proto-faustos em potencial, também não podem ficar omissos e indiferentes. O
historiador contemplativo e covarde não pode ter a honra dessa qualificação, é
apenas um fantoche. O poder está nas mãos da comunidade acadêmica que tem o dom
de invocar a máxima de Ezequiel 21,27: “derruba, derruba, derruba”. A “árvore” está podre, seus frutos
fedendo; deve cair.
GOETHE, J.W. Fausto, Werther. Tradução Alberto Maximiliano. São Paulo
Nova Cultura, 2002.
BENJAMIN, W. Ensaios reunidos: escritos sobre Goethe.
São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2009.