Um autor
clássico afirmou que a “história é a mestra da vida” (magistra vitae).
O espelho dos vícios e virtudes da humanidade, no qual se pode “aprender” pela
experiência. Na era contemporânea, porém, tal postulado perde seu sentido
pedagógico. “O que a experiência e a história nos
ensinam é que os povos e os governos jamais aprenderam algo a partir da
história, assim como jamais agiram segundo os ensinamentos que dela foram
extraídos”, disse o filósofo idealista Hegel.
A nova
história adquiriu uma qualidade temporal própria. Diferentes tempos e períodos
de experiência, passíveis de alternância, tomaram o lugar outrora reservado ao
passado entendido como exemplo. Advento de um novo tempo que se inicia. “Desde
que o passado deixou de lançar luz sobre o futuro, o espírito humano erra nas
trevas, disse Tocqueville. A velha história teve de renunciar a pretensão de
ser mestra da vida.
Esta
mudança radical ocorre nos séculos XVIII e XIX, onde o Estado e a Igreja detém
o monopólio da previsão do futuro, ora como imagem idealizada do progresso, ora
como salvação fora do mundo material, respectivamente. A crescente
secularização do sagrado opõe frontalmente duas concepções e visões de mundo e
a noção de temporalidade histórica. José
Carlos Reis (1994) afirma que houve uma “revolução epistemológica” quanto ao
conceito de tempo histórico, uma mudança substancial. A primeira grande mudança
foi produzida pela religião ao romper com o mito – a religião opôs a profecia
ao ritual, a salvação futura contra a salvação na origem. A segunda foi
realizada pela filosofia do século XVIII, ao romper com a religião – a
filosofia opôs a utopia à escatologia, a demonstração racional à fé em uma
profecia, um futuro humano, temporal, histórico, ao futuro divino,
meta-histórico, eterno. Às utopias uniu-se a ideologia do progresso.
Na
perspectiva de José Carlos Reis (2006, p. 30) “êxtase profano (utopia) venceu o
êxtase religioso (parusia) da outra vida eterna. O futuro não é mais o fim do
mundo. Agora, a espera é outra: a realização da história, do progresso, como
obra dos homens, que se tornaram competidores de Deus na criação do mundo”. Ao
reprimir as previsões apocalípticas e astrológicas, o Estado apropriou-se à
força do monopólio da manipulação do futuro, afirma o renomado historiador
alemão Reinhart Koselleck, num clássico sobre a semântica das temporalidades na
História.
“O
progresso descortina um futuro capaz de ultrapassar o espaço de tempo e da
experiência tradicional, natural (...). Pois o tempo que se acelera em si
mesmo, isto é, a nossa própria história, abrevia os campos da experiência,
rouba-lhes sua continuidade, pondo repentinamente em cena mais material
desconhecido, escapa em direção ao não experimentável”, completa Koselleck (2010,
p. 36). Com
essa constatação, temos uma guinada dramática e completa no que se refere à
capacidade de expressão de nosso topos
– historia magistra vitae. Não se
pode mais esperar conselho a partir do passado, mas sim apenas de um futuro que
está por se constituir.
A crise de experiência atual já foi objeto de
analise de eminentes pensadores como Max Weber (desencantamento de mundo),
Walter Benjamin (o progresso como catástrofe) e Ernst Bloch (a esperança e a
utopia num futuro desejável). Bloch, o filósofo marxista das utopias concretas,
debruçou-se sobre a questão do porvir, do omega, do amanhã. Realizou uma
enciclopédia dos sonhos e esperanças (O principio esperança) em três volumes,
no qual investiga as potencialidades ontológicas do homem (esperança, fé,
angústia e medo). Esperança e fé se estendem ao aspecto desejante de uma vida
melhor; formam-se sonhos diurnos, acordados. Em última instância a esperança
vence o niilismo e a resignação, pois é um trata-se de um afeto prático,
militante.
Entre a experiência no passado e a expectativa no
porvir ocorre o conhecimento histórico. Ora, se perdemos a capacidade de
retirar da história seu conteúdo explosivo (Marx fala em “Poesia do futuro”, no
Dezoito Brumário de Luis Bonaparte), é do futuro que surgem as esperanças, nos
descendentes e não dos antepassados. Ocorre que há nisto outra grande
problemática, a excepcional capacidade dos governos neoliberais de frustrar o
futuro, de desencadear o medo no amanhã (vemos inúmeros casos de suicídio na
Espanha e Grécia pela ausência do dia seguinte, da aposentadoria, do emprego;
fé apenas na humilhação, na fome, e no descaso).
No Paraná o governador Beto Richa age desta forma,
como um cavaleiro do Apocalipse a serviço do capital. Ele tentou com um só
golpe restringir o futuro do Estado, das aposentadorias e direitos trabalhistas
divinamente conquistados. Por conta de uma força de resistência dos
professores, está temporariamente engessado. Mas o inimigo não cessa em vencer.
Da esperança no futuro e não da experiência no passado os professores precisam retirar
uma lição: que sua profissão não deve ser meramente contemplativa, como a
classe média covarde, deve ser militante, agir na sociedade para que equívocos
como os partidos neoliberais tucanos não mais sejam eleitos. É preciso exercer
um sacerdócio e não apenas uma profissão. Escrevo como profeta e não como
historiador, pois o profeta viu melhor o futuro que o historiador o passado.