A bandeira soviética a esvoaçar no topo do destruído Parlamento alemão (Reichstag) foi apenas o culminar da longa batalha de duas longas semanas, de 16 de Abril a 2 de Maio, pela capital do III Reich. Estima-se que mais de 300 mil russos tenham perdido a vida nesta batalha, assim como mais de 100 mil civis alemães.A Segunda Guerra Mundial acabaria na Europa, dias depois, a 8 de Maio de 1945, quando o marechal Wilhelm Keitel assinou a rendição incondicional.((YOUNG 1980, p 165).
Fotógrafo: Yevgeny Khaldei, 2 de Maio de 1945.“O documento não é apenas a fonte, é o problema”(MARC BLOCH 1965, p. 220).
“O historiador precisa situar a fotografia em um determinado tempo e espaço e perceber as suas alterações e do contexto. O oficio do historiador consiste na realização da critica interna e externa do documento e, nesse sentido, alguns métodos de análise permitem-lhe a leitura dos documentos visuais” (CANABARRO 2005, p. 26).
Os autores especialistas em fotografia e na análise visual como Barthes, Kossoy e Mauad são unânimes no sentido de que para avaliar um documento visual é necessário atentar para três pressupostos básicos e inerentes à própria história: expressão e conteúdo, tempo e espaço, percepção e interpretação. “A noção de espaço como chave de leitura das mensagens visuais, devido à natureza deste tipo de texto” (MAUAD 1996, p. 14).
Mauad ainda reforça essa afirmação citando Mirian Moreira Leite: “toda captação da mensagem manifestada se dá através de arranjos espaciais. A fotografia é uma redução, um arranjo cultural ideológico do espaço geográfico num determinado instante” (p. 14).
Sendo assim, a análise específica da fotografia do ‘triunfo’ soviético frente aos alemães na Segunda Guerra será elaborada segundo esses conceitos, procurando trazer a imagem para o tempo presente, mas sem correr o risco do anacronismo e observando a problemática da “interpretação (...) pois as pessoas fazem a mesma leitura, mas cada uma interpreta de uma forma, em função da idade, sexo, da sua profissão, da ideologia, enfim de seu saber” (ALBUQUERQUE & KLEIN 1987, p 300).
É preciso esclarecer que a metodologia aplicada será a Histórica baseada na Escola dos Annales, bem como a critica técnica de Barthes e Mauad. A fotográfica compõe a textualidade de uma determinada época, tal idéia implica a noção de intertextualidade para compreensão ampla das maneiras de ser e agir de um determinado contexto histórico: “à medida que os textos históricos não são autônomos necessitam de outros para sua interpretação” (MAUAD 1996, p.10).
No documento fotográfico escolhido para analise observam-se três planos: o cenário (arquitetura de Berlim destruída), a pose (de triunfo russo) e o objeto (a bandeira soviética). Já situada a cronologia da foto e seu contexto histórico partiremos para abordagem do documento em si, observando que “a imagem não fala por si só, é necessário que as perguntas sejam feitas” (MAUAD 1996, p 10).
Os soviéticos perderam mais de vinte milhões de soldados e civis na segunda guerra e esse ônus parece ter sido menor após a vitória contra os nazistas. O sofrimento das vitimas, as perdas materiais e humanas foram minimizadas com o sentimento se satisfação, vitória e triunfo sobre o Terceiro Reich e isso se manifesta com a ampla divulgação da imagem de soldados/oficiais sobre o Parlamento alemão. Isso se dá pela mensagem que o documento passa, pelo seu poder por parte da classe dominante de amenizar o sofrimento das vitimas e para mostrar ao mundo a nova potência que emergia após a guerra. “O efeito mitológico de uma fotografia é inversamente proporcional ao seu efeito traumático, quanto mais o trauma é direto, mais difícil a conotação” (BARTHES p. 07).
Como já foi dito, do documento visual tem a pretensão de ser espontâneo, neutro, análogo do real, no entanto é sempre codificado, conotado. Sendo que o código de conotação é sempre histórico e reforçado pela ideologia, “o objeto talvez não possua uma força, mas por certo, possui um sentido” (Barthes p04). No objeto (bandeira), a conotação é produzida por uma modificação do próprio real, isto é, da mensagem denotada. O objeto surge aparentemente como natural e espontâneo, disfarçado sob a mascara objetiva da denotação, contudo, como se sabe, não são evidentemente próprio da fotografia, tenta passar simplesmente por denotada uma mensagem que, na verdade é fortemente conotada.
“Discute-se a possibilidade de mentir da imagem fotográfica (...) não importa se a imagem mente, o importante é saber por que mentiu e como mentiu” (Mauad 1996, p 15). Na verdade é a competência de quem olha que fornece significados à imagem e hoje sabe-se que este documento fotográfico ligado à Segunda Guerra mundial foi modificado, preparado, houve um ‘tratamento’ da imagem antes que fosse difundido, tornado público. Trata-se de um fenômeno que poderia ser chamado de “trucagem”, não no sentido de aproximação de Barthes, mas no sentido de alteração/modificação de alguns elementos do documento original: a bandeira tão imponente na realidade era uma toalha de mesa vermelha sem o escudo do Comunismo, portanto não era, de fato a bandeira da URSS. O soldado/oficial que movimenta a bandeira usava alguns adornos, possivelmente produtos de saque, que foram disfarçados através te técnicas de iluminação e contraste.
Nesse ponto entendemos o caráter ideológico das mensagens visuais, sua falsa neutralidade e sua conotação que comporta bem um plano de expressão e um plano de conteúdo, significantes e significados, “obriga, portando a um verdadeiro deciframento” (Barthes, p.3). Esse deciframento seria hoje prematuro, todavia as “interrogações que hoje se colocam são antes uma prova de saúde que de enfermidade” (MAUAD 1996, p.06).
Assim sendo, podemos concluir que a mesma evolução que a historiografia teve no séc. XX em relação aos documentos escritos ocorreram também quanto aos documentos visuais ou iconográficos. A contribuição dos pioneiros da Escola dos Annales se mostra, ainda hoje, pertinentes na análise do documento e monumento. A fotografia representa uma semelhança com a realidade - jamais uma totalidade - e deve ser abordado pela Hisória como um signo, um icone, como a representação de um momento específico e nunca como prova do passado.
Referencias:
ALBUQUERQUE, Marli Brito M.; KLEIN, Lisabel Espellet. Pensando a fotografia como fonte histórica. Cadernos de saúde pública. Rio de Janeiro, 1987.
BARTHES, Roland. A Mensagem Fotográfica. S/E, S/D.
BLOCH, Marc. Introdução a História. Europa-América, 1965.
CANABARRO, Iv. Fotografia, História e cultura fotográfica: Aproximações. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, 2005.
CIAVATTA, Maria. Educando o trabalhador da grande família: a fotografia como fonte histórica. Rio de Janeiro, 2003.
KOSSOY, Boris. A fotografia como fonte histórica: Introdução à pesquisa e interpretação das imagens do passado. São Paulo, SICCT, 1980.
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento, in História e Memória. Unicamp, SP: 1998.
MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Fotografia e História Interfaces. Tempo, v1. N2. UFF, Rio de Janeiro: 1996.
MONTEIRO, Charles. A pesquisa em História e Fotografia no Brasil: notas bibliográficas. Porto Alegre, RS: 2008.
SILVA, Cristina Schimidt. A Fotografia como processo Folkcomunicacional. Salvador, BA: 2002.
Referencias:
ALBUQUERQUE, Marli Brito M.; KLEIN, Lisabel Espellet. Pensando a fotografia como fonte histórica. Cadernos de saúde pública. Rio de Janeiro, 1987.
BARTHES, Roland. A Mensagem Fotográfica. S/E, S/D.
BLOCH, Marc. Introdução a História. Europa-América, 1965.
CANABARRO, Iv. Fotografia, História e cultura fotográfica: Aproximações. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, 2005.
CIAVATTA, Maria. Educando o trabalhador da grande família: a fotografia como fonte histórica. Rio de Janeiro, 2003.
KOSSOY, Boris. A fotografia como fonte histórica: Introdução à pesquisa e interpretação das imagens do passado. São Paulo, SICCT, 1980.
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento, in História e Memória. Unicamp, SP: 1998.
MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Fotografia e História Interfaces. Tempo, v1. N2. UFF, Rio de Janeiro: 1996.
MONTEIRO, Charles. A pesquisa em História e Fotografia no Brasil: notas bibliográficas. Porto Alegre, RS: 2008.
SILVA, Cristina Schimidt. A Fotografia como processo Folkcomunicacional. Salvador, BA: 2002.
YOUNG, Peter. A Segunda Guerra Mundial. Circuito do Livro/Melhoramentos. São Paulo: 1980.
4 comentários:
Olá Rui, gostei do teu artigo!
Sempre que olho está foto e aquela dos soldados smericanos em Iwo Jima lembro que o triunfo que ambas pretendem mostrar está na mesma medida buscando minimizar o horror da guerra.
Tive a mesma idéia que você e postei no meu blog meu artigo sobre cinema como fonte histórica, vá lá dar uma olhada.
Falou, até mais!
De fato Rui, a imagem não é neutra. Ela passa pelo olhar de um fotógrafo, de quem vai utilizá-la, etc. No entanto, esse tipo de imagem é um tanto quanto comovente. Interessante, para não esquecermos nossa (falta de) humanidade... que a dor causada pela imagem traga "evolução" (se se pode usar esse termo) aos homens!
abraços, querido!
Muito bom.
Estou iniciando a pesquisa com o uso da fotografia para o doutorado e se possível, gostaria muito de sua contribuição com indicativo de sites e outras pesquisas, livros e autores ok?
Muito obrigada
Lillian Mesquita
Olá Lillian Mesquita, desculpe a demora em responder, ando meio alheio ao blog. Sobre indicação bibliográfica vou ficar devendo, não sou especialista em Fotografia, este foi apenas um trabalho no decorrer do curso de História, embora o interesse fosse grande, as ideias foram se modificando e hoje pesquiso sociologia da religião. Todavia, as referências bibliográficas do artigo trazem autores que são autoridades quanto a crítica da fotografia e seu papel social, como Barthes e Kossoy. Se quiser falar sobre, entre em contado por msn ou facebook. Abraço.
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